O porco do outro lado da rua

Eu estava parada no ponto, esperando o ônibus. Ao mesmo tempo em que estava atenta ao meu transporte, olhava para a frente, no caso, o outro lado da rua. Tinha um caminhão parado e dois homens descarregavam alguma coisa. Não prestei atenção ao que havia ali antes do caminhão estacionar. Ele foi embora e, depois de garantir que meu ônibus não estava vindo, olhei para o outro lado da rua de novo. Me assustei. Olhei mais uma vez, com aquele movimento que a gente faz de olhar duas vezes porque não entendeu o que viu à primeira vista. Era um homem pendurado ali?

Não era um homem. Como haveria de ser, Sarah, pelo amor de Deus! Era um porco. Morto. Um porco tão grande que, assim, pendurado, tinha o tamanho de um homem. Reparei no lugar, era um açougue. Deveria ser óbvio, mas me senti em um conto da Clarice Lispector, quando uma coisa óbvia desequilibra toda a ordem do cotidiano e joga a personagem num redemoinho de falta de sentido.

Tinha um porco gigante pendurado no meio do açougue. Se alguém entrasse ali, naquele momento, para comprar meio quilo de carne moída ou 300 gramas de filé de peixe teria que dividir o espaço com um porco enorme, pendurado. No meio do açougue. Os carros passando lá fora, as pessoas andando na calçada. O sorveteiro na porta do lado entregando um picolé para a criança, alguém perguntando que horas eram.

Dois minutos depois, chegou um homem – o açougueiro? – e, com uma faca, cortou um pedaço do porco. Levou lá para dentro. Voltou. Cortou outro pedaço. Levou para dentro. Voltou. Cortou. Levou. Voltou… O ônibus não chegava. Eu estava hipnotizada. Eu estava chocada. Como um porco pode ser tão grande? Por que ele tem que ficar no meio do açougue? Comecei a ficar enjoada. Que demora! Que calor! Quantas vezes esse açougueiro vai precisar e ir e voltar até terminar seu trabalho de esquartejamento? Como mataram esse porco? Onde ele estava antes?

O ônibus chegou. Subi correndo, meio fugindo. Quanto mais me aproximava de casa, mais o caos mental que a cena me causou ficava para trás. Mas não consegui mais chamar um porco de comida.

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