Talvez a publicação de hoje seja a mais deslocada do contexto em que estamos vivendo. Não tem problema, preciso fazê-la antes de falar sobre qualquer outro assunto.
Uma das coisas que tenho pensando bastante nos últimos tempos é sobre este blog. Ou melhor, sobre algo muito mais amplo que, em alguma medida, se materializa no blog. Há algum tempo venho pensando sobre uma situação, no mínimo, curiosa, que é a seguinte: muitas mulheres que conheço possuem talentos incríveis – cantam, desenham, escrevem, cozinham, entre outras coisas. Porém, grande parte delas tem medo/receio/vergonha de ousar dizer: “veja, mundo, eu faço isso”. Num caminho contrário, conheço vários homens que não possuem nenhum tipo de dificuldade para se expor, mostrar o que fazem e até vender seus produtos. Por que essa diferença de comportamento?
É um questionamento que já foi respondido pelos estudos e práticas vivenciadas pelo movimento feminista. Vivemos em uma sociedade que, estruturalmente, coloca a mulher em posição inferior à do homem. Nessa estrutura machista, as mulheres não pertencem ao campo da criação artística, do debate intelectual, da pesquisa científica, do empreendedorismo ou da liderança. Por isso, segundo essa lógica, por que ousaríamos expor o que produzimos se não valeria de nada? Se chegamos a ter essa coragem, ela é geralmente seguida de um pensamento do tipo: “será que sou uma farsa?”.
Você pode dizer: “Isso não é verdade! Vejo inúmeras mulheres em destaque pelo mundo”. É verdade que, após tantos anos de luta, conquistamos algumas mudanças e já ocupamos espaços que antes não podíamos nem sonhar. Porém, se olhamos para essas mulheres em destaque, o número é proporcional ao número total de mulheres? É um número que representa, de fato, raças, classes, nacionalidades? Olhando historicamente, esse número é razoável?
Deixo esses questionamentos e volto ao meu conflito. O que este blog ou o fato de eu ter um blog tem a ver com isso? Tudo. Este blog existe há 6 anos, mas nunca o divulguei muito. Primeiro, porque tenho vergonha. Do que exatamente? Não sei explicar. Em segundo lugar, porque passo muito tempo me perguntando qual a relevância de manter esse minúsculo blog na imensidão da internet.
No ano passado sumi por um bom tempo por causa da correria da vida, mas também, e talvez principalmente, por causa desse sentimento. Voltei no início deste ano com a ideia de manter uma frequência de publicações e ser mais participativa, o que não ocorreu até agora. Acho que não ocorreu porque ainda não resolvi a questão da escrita dentro de mim e porque faço parte desse grupo de mulheres que pensa que “exibir” o que faz parece algo ruim. Eu sou boa mesmo? Posso fazer isso? Não sou uma impostora?
Não sou uma pessoa muito talentosa (ainda estou em busca dos meus talentos), mas, se existe algo que consigo fazer, gosto de fazer e acho que me saio razoavelmente bem, é escrever. Não foi tão simples dizer isso para mim mesma, tenho muitas inseguranças em expor o que escrevo. Também não me considero escritora e nem pretendo ser, mas acho que, sim, tenho certa facilidade em organizar as ideias por meio da escrita, explicar coisas por meio das palavras. A escrita é o meio pelo qual meu cérebro se organiza, logo, o meio pelo qual organizo o mundo ao meu redor. Não é à toa que trabalho e sempre trabalhei com as palavras. É o que gosto de fazer e, pronto, é o que sei fazer. Ler Um teto todo seu, da Virgínia Woolf, acendeu essa luz na minha mente, de que posso e devo valorizar meu trabalho intelectual.
Esse livro me tocou de verdade e me deixou muito pensativa. Se, além de tudo, uma mulher não possui condições materiais para desenvolver o que sabe (Woolf fala da escrita, mas poderia ser qualquer coisa), o que lhe resta? Esse pensamento me deixa muito angustiada! Mas, ao mesmo tempo, me motiva a apoiar as mulheres que estão ao meu redor, porque, além de ser meu (nosso) dever lutar para que haja uma mudança estrutural na sociedade, também devo apoiar individualmente minha colega que faz doces, minha vizinha que vende pães, minha irmã que faz artesanatos, minha dentista que quer ter seu próprio consultório… Enfim, que tudo isso não fique apenas no discurso.
Eu tenho um blog onde escrevo sobre muitas coisas. Meu assunto preferido é literatura. Nos últimos 3 anos tenho lido apenas livros escritos por mulheres e tentado incentivar essa mudança de comportamento em relação aos textos literários. É um blog pessoal, então também comento sobre assuntos aleatórios que me interessam. Não me preocupo com ferramentas para atrair pessoas, só escrevo sobre o que me interessa e sobre o que acho que pode ser inspirador ou interessante para outras pessoas também. Tenho um blog e não vou mais sentir vergonha de escrevê-lo e divulgá-lo.
Se posso deixar um pedido para as mulheres que chegarem ao final desse texto é: não sintam medo ou vergonha de mostrarem seus trabalhos e talentos. No mínimo, outras mulheres irão fortalecer o que você faz. E meu pedido para todas é: apoiem outras mulheres.
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Para citar este texto utilize a referência: Toledo F., Sarah. 2019. “Oi, eu tenho um blog”, Publicado em sarices.wordpress.com, url: https://sarices.wordpress.com/2020/05/03/oi-eu-tenho-um-blog/. Acesso em [dd/mm/aaaa].
Ps: Vou usar de vez em quando esse modelinho de orientação para citações, ideia que copiei descaradamente do blog da querida Karina Kuschnir. Acho que pode ser útil, caso alguém decida citar o blog em algum momento. Obrigada, Karina! Desculpe copiar sua ideia, Karina! ❤