Há poucos dias, em um domingo, fui visitar uma amiga que mora bem longe da minha casa em São Paulo (e o que é perto nessa cidade, não é mesmo?). Domingo é um dia ruim para usar ônibus, porque são menos unidades circulando em um intervalo de tempo maior. Mas se sua única opção é usar o transporte público (como a minha), não há muito o que fazer além de esperar. Já era noite quando saí da casa dessa amiga, peguei carona até o metrô e daí fui até o terminal onde precisava pegar meu ônibus. Fiquei esperando por muito tempo e já estava um pouco tarde, era cerca de 23h. Isso já era um motivo de preocupação para mim, por saber que o caminho do ponto de ônibus onde eu deveria descer até a minha casa estaria deserto.
O ônibus chegou e eu era a primeira da fila para entrar, o que significa que, após escolher meu lugar para sentar, todos os bancos ainda estariam disponíveis. Um homem, que entrou pela porta de trás (não sei se ele pediu permissão para o motorista ou se aproveitou que a porta foi aberta para uma senhora entrar com uma mala), olhou todo o ônibus ainda vazio, olhou para mim e se sentou ao meu lado. Sempre fico desconfiada de pessoas que ocupam lugares ao lado de outras quando o restante dos bancos está desocupado. Pode ter algo a ver com minha personalidade meio antissocial, mas realmente me sinto incomodada. Desconfio ainda mais se for um homem que se senta ao lado de uma mulher. Por isso, fiquei mais preocupada.
Para piorar, o homem estava com um cheiro muito forte de álcool. Mil coisas passaram pela minha cabeça, como: será que esse cara poderia tentar fazer alguma coisa comigo dentro do ônibus? Tinha gente suficiente ao meu redor para eu pedir auxílio, ou mandar um sinal de ajuda, caso fosse necessário? Felizmente o ônibus encheu e senti que poderia ser vista e ajudada, se precisasse. Mas aí outro pensamento veio à minha mente: e se esse cara descer no mesmo ponto que eu? E se ele me seguir pelo trajeto que tenho que andar do ponto até minha casa? Não é um trajeto longo, mas a rua estaria deserta e já era tarde da noite. Fiquei com medo. Estava conversando com minha mãe pelo celular e comentei sobre esse homem. Nunca é demais avisar as pessoas sobre onde você está e em que situação.
Naquele dia, àquela hora, com as ruas livres de trânsito, o ônibus foi muito rápido. Demorou cerca de meia hora até meu ponto, mas para mim pareceu que durou mais. Eu não estava tranquila. Fiquei o tempo todo de olho no cara, em seus movimentos. Me afastava dele quando o ônibus fazia curvas, forçando algum tipo de contato físico. Fiquei torcendo para ele descer antes.
Sei que algumas pessoas podem pensar que eu estava exagerando. O cara, provavelmente, é um cara “normal”. Talvez ele estivesse bebendo com os amigos, ou num churrasco de família e por isso o cheiro de bebida. Pode ser um cara que trabalha duro a semana inteira e nunca fez mal para nenhum ser vivo e, assim como eu, estava voltando para casa após compartilhar um tempo bom com pessoas queridas. Pode ser. O fato é: eu não o conhecia e não poderia saber se ele era um possível abusador. Sentir medo de homens desconhecidos não é exagero quando vemos as estatísticas de violência contra a mulher, quando sabemos que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, quando ouvimos todos os dias casos de mulheres assediadas por homens nos transportes públicos ou nas ruas. É um medo real porque a situação é real, não é paranoia da nossa cabeça.
Ainda no ônibus, tensa com aquela situação, fiquei imaginando: e se eu fosse homem? Se eu fosse homem, o simples fato de outro homem desconhecido, ou uma mulher ter sentado ao meu lado, havendo praticamente todas as outras cadeiras disponíveis, teria me assustado? Se eu fosse homem, teria ficado preocupado pelo fato de outro homem ou uma mulher ter me encarado antes de se sentar ao meu lado? Ou teria ficado preocupado sobre se meu vizinho de banco faria algo comigo ali dentro do ônibus, ou se desceria no mesmo ponto que eu para me seguir? Se eu fosse homem, estaria preocupado em buscar olhares de outras pessoas no ônibus para pedir ajuda, caso fosse necessário? A verdade é que não.
Só uma mulher sabe o alívio que é quando outra senta ao seu lado no ônibus. Ou quando está caminhando até sua casa à noite e vê que os passos ao seu lado ou atrás dela é de outra mulher. Só uma mulher entende isso porque somos nós que estamos expostas à violência, ao estupro e ao assédio todos os dias, pelo simples fato de sermos mulheres.
O homem realmente desceu no mesmo ponto que eu. Ele estava na poltrona do corredor, mas ficou sentado enquanto passei por ele para me dirigir até à porta, mesmo tendo se levantado logo em seguida rumo à porta também. Outras pessoas também desceram ali. Não vi para onde ele foi, porque meu pai me esperava de carro no ponto de ônibus, algo que realmente não seria necessário se estivéssemos à luz do dia, com a rua movimentada, porque o trajeto é muito curto. É possível que nada tivesse acontecido comigo. O cara provavelmente nem imagina que me causou medo e preocupação com sua simples atitude de escolher sentar ao meu lado quando o resto do ônibus ainda estava vazio. Cheguei em casa bem, mas com aquele peso nas costas e na mente. O peso que nós mulheres carregamos todos os dias.
Passo por isso muito…talvez nada tenha acontecido porque seu pai foi te buscar…mas seria tão bom se pudéssemos simplesmente ir e vir sem ter que precisar que outras pessoas tenham que proteger a gente porque sozinhas temos direitos reais restringidos…
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Oi, Luma!
É verdade, parece algo tão simples andar de ônibus, se locomover pela cidade, mas não é. Não pra nós mulheres. O ir e vir se transforma em algo complicado e até perigoso. Muito triste. Mas tenho esperanças ainda. Nossa luta não é em vão.
Um abraço!
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