Feliz, mas com alguns prejuízos psicológicos.
Acabei o mestrado! Nem acredito muito nisso ainda, mas é verdade. Me sinto meio sem saber o que fazer, uma sensação como se eu estivesse esquecendo alguma coisa. Na verdade, é como se faltasse alguma tarefa para completar no meu dia e imagino que seja devido ao fato de que por dois anos e meio foi assim, eu tendo que fazer algo relacionado à pesquisa: preparar apresentação, ir ao trabalho de campo, ler, escrever… Enfim, acho que eu deveria me sentir mais leve e despreocupada agora, mas ainda estou com essa sensação estranha. Tudo bem, o que importa é que acabou.
Foram dois anos e meio. Longos dois anos e meio. Não me entendam mal, gosto de pesquisa, gosto da vida acadêmica e é isso que quero seguir. Mas nesse percurso me dei conta de que o mestrado é, justamente, a fase que vai fazer você dizer: “eu sobrevivi e por isso quero continuar, com um doutorado”, ou “eu sobrevivi e por isso não quero nunca mais saber dessas coisas”. É a fase que seleciona as pessoas e falo sério. Não só por causa da intensidade do trabalho, mas pelo dinheiro, por exemplo. Trabalhar em uma pesquisa durante um tempo tão curto como é o mestrado é praticamente impossível se você também trabalha em outro lugar. Mas às vezes isso é necessário, seja porque a bolsa de pesquisa não é suficiente, seja porque ela é inexistente. Nesses momentos, a gente percebe como o mundo acadêmico ainda é muito limitado e limitador.
Particularmente, tive alguns problemas durante o mestrado. Problemas com a pesquisa, que se transformou mais vezes do que o tempo permitia e problemas com o fato de ter que trabalhar em várias coisas ao mesmo tempo, por causa da grana. Isso me atrapalhou de diversos modos e em muitos momentos. Tanto que, de vez em quando, eu pensava que, de verdade, não iria dar conta. Foi uma fase difícil e traumatizante, em certa medida. Tanto que, neste exato momento, não quero saber de nada que diga respeito a isso. Todas as minhas energias físicas, intelectuais e psicológicas foram sugadas. A vida acadêmica não é um mar de rosas, como muitos pensam.
Mas, no fim, deu certo. Acho que dentro das condições que eu tinha, consegui fazer um trabalho razoável. Sim, sei o que alguns podem pensar, a gente nunca acha que o próprio trabalho está muito bom, sempre tem algo para mudar. Mas é verdade e por isso digo que ficou razoável. O processo de avaliação da banca foi muito mais tranquilo do que esperei que fosse. Óbvio que as críticas vieram (e ainda bem que vieram). Se tivessem me aprovado sem nenhuma crítica, eu iria pensar que estavam sendo legais para ficarem livres de mim. Foram críticas responsáveis, necessárias, construtivas. Algumas coisas que vou usar para corrigir a dissertação em sua versão final, outras que vou guardar para pensar trabalhos futuros.
Escrevi duas páginas de agradecimentos na minha dissertação. Agradeci às pessoas que, às vezes, mesmo sem saber, foram importantes em todo esse processo. Muitas delas “apenas” por me fazerem dar boas risadas durante esse momento estressante e carregado de ansiedade. A vida acadêmica é uma vida solitária. É você com seu trabalho. Por isso as pessoas são tão importantes. Estar cercado delas, mesmo que elas não tenham nada a ver com o trabalho e não façam ideia do que você está estudando. Importante também é conversar com quem está na mesma situação, ou já passou por ela. A gente se dá conta de que todo esse processo, especialmente da escrita do trabalho final, é difícil para todo mundo.
Um texto muito bom que li, já nos momentos críticos de finalização, foi um da Karina Kuschnir, “Carta a um jovem doutorando”, publicado no blog dela. Claro, eu estava um pouco longe da complexidade de uma pesquisa de doutorado, mas acho que o processo (doloroso) de escrita se dá mais ou menos da mesma forma para um trabalho de conclusão de curso, uma dissertação e uma tese. Ou, sei lá, qualquer outro processo de escrita que seja importante e, principalmente, que exija um prazo. Nesse texto da Karina, que recomendo muito a leitura (cliquem aí no link!), ela cita Norbert Elias, um dos intelectuais mais renomados dos últimos tempos. Nesse trecho ele fala justamente sobre sua dificuldade em escrever e tomo a liberdade de compartilhá-la aqui também. Assim como Karina, vou escrevê-la e deixar não só do lado do meu computador, mas espalhada pela casa, assim, me recordo que a dificuldade existe, mas passa.
“No que diz respeito à pesquisa, dispunha apenas de minha tese de doutorado para provar minha capacidade. E ela representava um trabalho duro. Tinha confiança em minhas capacidades intelectuais, e ideias não me faltavam. Mas o imenso trabalho intelectual que minha tese exigiu me parecera dificílimo. Só bem mais tarde fui pouco a pouco compreendendo que noventa por cento dos jovens encontram dificuldade ao redigir seu primeiro trabalho importante de pesquisa; e, às vezes, acontece o mesmo com o segundo, o terceiro ou o décimo, quando se consegue chegar aí. Teria agradecido se alguém me dissesse isso na época. Evidentemente pensamos: ‘Sou o único a ter tais dificuldades para escrever uma tese (ou outra coisa); para todos os outros, isso se dá mais facilmente’. Mas ninguém disse nada. É por isso que digo isso aqui. Essas dificuldades são absolutamente normais.” (Norbert Elias Por Ele Mesmo)
Enfim, agora terei um pouco mais de tempo para o blog, espero. Sinto falta de escrever qualquer bobagem por aqui. As redes sociais não conseguem preencher o vazio deixado por esse espaço. Além do mestrado muitas outras aconteceram e têm acontecido. Muitas mudanças. Consequentemente, muito o que pensar e escrever.
que lindo texto, Sarah, e parabéns por concluir o seu mestrado!! obrigada pela citação generosa ao meu blog. Fiquei muito impressionada com a repercussão dessa carta e do outro post sobre a vida acadêmica… Parece que todos os pós-graduandos ficam sofrendo sozinhos em casa e achando que são os únicos, como disse tão bem o Norbert Elias, não é? Espero que vc siga para o doutorado, se for sua vontade. Mas também sem esquecer de seguir vivendo bem! bjs!
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Que legal receber um comentário seu! Esses seus textos realmente repercutiram muito. Acho que é porque para nós, que, de fato, iniciamos na vida acadêmica, é importante ver que esses problemas, crises e desafios são comuns. É tão óbvio e, ao mesmo tempo, não nos damos conta disso, porque estamos imersos nessas dificuldades. Obrigada por eles (os textos) e pela inspiração.
Vou seguir no doutorado, sim, pesquisa é o que eu gosto de fazer. Só preciso de um tempinho para descansar, haha.
Beijos!
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