Baleia é a cachorrinha que mora aqui em casa. Não gosto muito de falar “minha” ou “nossa” cachorrinha. Afinal, ela não é uma coisa. O nome, em homenagem à Baleia de Graciliano Ramos, não poderia ser mais apropriado. Alguns podem pensar que é por ela ser um animal humanizado em meio a humanos que vivem como bichos, no caso, minha família e eu. Porém, embora ela seja mesmo um animal meio humanizado (temos certeza de que ela só não fala para não nos assustar) a segunda parte não é verdadeira. Eu acho.
O caso é que Baleia se tornou parte da família desde que chegou aqui. Ela chegou tão frágil e doente que era tratada como uma cachorrinha-princesa-bebê. Até hoje ela tem certeza de que é isso o que ela é e, portanto, que a casa é dela. Ela vigia a rua o tempo todo e basta alguém parecer estranho ou suspeito que ela começa a latir, como se dissesse: “Saia da frente da minha propriedade!” Eu provavelmente não deveria dizer isso aqui, porque desse modo tiro toda a autoridade que os latidos ameaçadores daquela cadela já grande e aparentemente brava impõe, mas a Baleia é o típico “cão que ladra, mas não morde”. Quero dizer, ela até morde, mas só de brincadeira. A verdade é que ela é muito sensível e um tanto medrosa.
Baleia é tão sensível que quando sai para passear e se estranha com algum cachorro na rua, ela volta para casa chorando o resto do caminho. Ela arruma briga, late, fica com medo e chora. Na verdade, ela é manhosa e mal criada. Mas estou tentando ver os defeitos dela sob outra perspectiva.
Dia desses resolvi passear com a Baleia. Não queria ir longe, porque ela é um pouco pesada e não me arrisco a sair sozinha com ela me guiando, ao invés do contrário. Íamos só caminhar pela calçada. Antes de sair, vimos que havia um cachorro solto na rua e fiquei na garagem com ela, esperando ele sumir, a fim de evitar dramas. Era um cachorro maltratado, coitado, um cachorro de rua. Como vocês já podem imaginar, o drama aconteceu mesmo assim. Baleia ficou no portão de olho. O cachorro se aproximou. Os dois se encararam. Ele dizia: “Que cadela mais patricinha é essa? Esperando na coleira para sair? Eu sou um cão livre!”. Ela respondia: “Eu tenho pessoas que me amam, comida e uma casa. A propósito, você está na frente dela, faça o favor de sair.” (Baleia não gosta de sentir seu posto de cachorrinha-princesa-bebê ameaçado, ela morria de ciúmes ao ver minha mãe brincando com o cachorro que morava aqui do lado.) Os dois continuaram se encarando, até que em uma atitude de puro atrevimento, o cachorro levantou a pata traseira e urinou bem no portão, na frente da Baleia.
Poucas vezes na vida eu vi essa cachorrinha tão indignada! Ela ficou sem palavras por um segundo. Olhou pra ele e começou a latir desesperadamente. Estava gritando: “Quem você pensa que é? Ninguém faz xixi no meu portão!” e mais alguns comentários desse tipo. O audacioso cachorro nem se moveu. Até que eu interferi e mandei ele sair dali. Ele foi. No mesmo instante, a Baleia caminhou até onde ele tinha feito xixi e fez o dela. Depois disso, veio em minha direção choramingando. Abri o portão na tentativa de animá-la, mas não adiantou muito. Ela caminhava um pouco e voltava até onde o cachorro atrevido tinha urinado e fazia a dela novamente, na tentativa de apagar a marca dele. E choramingava um pouco mais.
Depois de um tempo, voltamos para a casa dela. Mas a pobre Baleia passou o resto do dia meio desanimada, como se lembrasse do ocorrido da manhã, da cara de pau daquele cachorro que invadiu o reino dela. Baleia é sensível assim, eu disse. No dia seguinte ela estava mais tranquila e voltou a latir, lá de cima, expulsando todos os estranhos.
Baleia o melhor cão o mais fofo e engraçado que já conheci. Dá um cheiro nela pra mim,
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